terça-feira, 5 de abril de 2011

Excelentíssimo Juiz da Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos e do Meio Ambiente da Comarca de Aracruz, ES.









Processo n. 006.10.003484-9.


                   Joeci Benedita dos Santos Lopes Miranda, brasileira, casada, auxiliar escolar desempregada, inscrita no CPF sob o n. 003.302.917-26, e os demais nominados e qualificados nos instrumentos procuratórios anexos, por seu advogado, com escritório na Rua General Osório, 83, sala 807, Centro, Vitória, onde receberão intimações, vem respeitosamente perante Vossa Excelência dizer e requerer a suspensão da ordem liminar de reintegração concedida por esse r. Juízo, tudo conforme passa a expor a seguir.

1.                Os requerentes, todos eles ocupantes de uma área de terra na localidade de Barra do Riacho, tomaram conhecimento de ordem liminar de desocupação concedida por esse r. Juizo. Infelizmente, não foram citados para apresentação de defesa, apesar de possuírem residência no local da ocupação, inclusive com construções em alvenaria, muros etc. Apesar da ilegalidade processual assim verificada, não é a intenção dos requerentes, nessa peça, sustentar e requerer a anulação de todos os atos processuais conseqüentes, mas demonstrar a esse r. Juízo questões sociais relativas a essa ocupação, a sustentar a necessidade de suspensão da ordem de desocupação, até que a administração pública, em conjunto com o Ministério Público e o Poder Legislativo resolvam a grave questão social da moradia na localidade de Barra do Riacho, fruto da inoperância, do descaso e da desigualdade com a qual o Município, sobretudo, trata dos administrados, a depender tratarem-se de grandes empresas ou simples moradores.


2.                A a ocupação em questão, denominado Bairro Nova Esperança, nasceu da iniciativa de centenas de famílias de Barra do Riacho, que enfrentavam a falta de moradia, e tudo ocorreu com a concordância dos políticos do Município, inclusive o Sr. prefeito municipal, que na eleição no ano de 2010, informaram que aquele local, supostamente de propriedade do Município, já estava destinado à criação de um novo bairro, para as famílias carentes de Barra do Riacho.


3.                A área foi dividida em 310 lotes, para, portanto, 310 famílias, que totalizam, atualmente, 1.600 pessoas, sendo 450 crianças, conforme cadastramento realizado pela coordenação da ocupação.


4.                A ocupação, na verdade um novo bairro, já está organizado como uma comunidade. Conforme demonstram as fotografias anexas, praticamente todos os moradores construíram casas de alvenaria, fizeram cercas ou até muros, sendo que todas as casas são providas de água potável e eletricidade. Até recentemente havia recolhimento de lixo nas casas, mas a prefeitura, criminosamente, numa medida retaliatória, suspendeu esse serviço, que está sendo realizado pelos próprios moradores.


5.                Somente tais aspectos, considerando não se tratar de uma simples ocupação de terras públicas, como daquelas feitas pela Fibria e outras empresas, mas tratando-se de milhares de pessoas, crianças, que diante da omissão do Poder Público exercem o seu direito constitucional de obtenção de moradia, já seria o suficiente para não se dar ao caso o tratamento clássico estatuído no Código de Processo Civil, em relação às reintegrações de posse, por estar em desacordo, inclusive com a parte fundamental da Constituição Federal (Art. 1º em diante), ao darem primazia, em relação a outros interesses, à realização da dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade justa e solidária, a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais, e, por fim, o bem estar, sendo certo tratar-se a moradia de uma das condições essenciais para esses objetivos, daí que a própria propriedade deve cumprir sua função social (art. 5º, XXIII).

6.                Desse modo, longe de seguir o traçado esquemático do processo, o Poder Judiciário, diante de questões tais, onde se digladiam dois interesses, num lado o do direito de propriedade do Município, e de outro o interesse de moradia de uma coletividade, deve pesar tais interesses, e, sobretudo, ante circunstâncias que serão a seguir demonstradas, não servir, incondicionalmente, ao capricho do administrador, mas buscar a composição do conflito social.

7.                E temos visto que o Ministério Público já está caminhando nesse sentido. Com efeito, no último dia 30.03.2011 foi realizada reunião de mediação, na qual esteve presente MMa. Magistrada titular dessa Vara, no intuito de se buscar uma solução para as várias ocupações existentes no Município de Aracruz. Nessa reunião, na qual se discutiu, por uma questão de urgência, o caso da ocupação Portelinha, na sede do Município, restou acertado um Termo de Ajuste de Conduta através do qual o Município, antes da realização de eventual desocupação, deverá disponibilizar nova área para assentar as famílias, inclusive garantindo a construção das moradias.

8.                Ocorre, como dito, que na referida reunião discutiu-se apenas a situação da ocupação Portelinha, e, apesar do Município não ter condições políticas de fazer cumprir a ordem liminar concedia por esse r. Juízo em relação ao Bairro Nova Esperança, há o temor que diante dos interesses econômicos envolvidos na área, cobiçada por inúmeras empresas que controlam os políticos, o Município interceda junto ao Governo do Estado para, irresponsavelmente, forçar a Polícia Militar a agir no sentido de tentar cumprir a ordem liminar, com conseqüencias catastróficas, na medida em que serão milhares de pessoas deslocadas.

9.                Dessa forma, em acordo com os esforços empreendidos pelo Ministério Público, buscando a solução do conflito, esforços esses que, pelo menos formalmente, tem sido atendidos pelo próprio Município, impõe-se que esse r. Juízo suspenda a liminar concedida, pelo menos até a realização de reunião em que se discuta a situação da ocupação do Bairro Nova Esperança.

10.              Passaremos, a seguir, a expor sobre algumas questões específicas sobre o território disputado e sobre a questão de falta de moradia na região de Barra do Riacho, que servirá, certamente, como suporte aos esforços de busca negociada do conflito.


11.              O distrito de Barra do Riacho constituía-se, originalmente, numa área indígena[1], conforme é a origem, até hoje, da maioria de sua população. Inobstante isso, conforme registros de cartório, a região era uma fazenda, apesar de se tratar de terra pública, devoluta, um divórcio, portanto, com a realidade. Essa fazenda, assim como toda a região, teria sido vendida à Companhia Ferro e Aço de Vitória (COFAVI), em 1947, sendo posteriormente vendida à Aracruz Celulose (atual Fibria), que para impedir que não viesse a tona a grilagem dessas terras fez a doação da área urbana, inclusive a que se encontram em litígio, para o Município de Aracruz.


12.              Assim, inclusive por uma questão legal, a área em conflito não é e nunca foi dessas empresas, e nem mesmo do Município, mas da população originária do povoado de Barra do Riacho, entre os quais a grande maioria dos ocupantes.


13.              A realidade é que os moradores de Barra do Riacho, antigos indígenas e pescadores, além de destruídas as suas formas de vida (não há mais local para plantio e os peixes dizimados por conta das indústrias), foram paulatinamente expulsos de suas antigas moradias, sendo o povoado tomado por grandes empresas, suas prestadoras de serviços, comércios, boates etc. Desse modo, criou-se uma crise habitacional, pois os descendentes dos antigos moradores, bem como a massa atraída para trabalhar nas empresas ficaram sem moradia, pagando alugueis extorsivos em imóveis sem mínimas condições de habitação.


14.              Desse modo, por uma questão de direito, considerando que a comunidade de Barra do Riacho foi usurpada do seu direito de moradia, aos ocupantes deve ser garantido o direito de possuir uma moradia decente, onde possam dar um mínimo de bem estar para suas famílias.




15.              E os políticos, nas sucessivas eleições no Município, tem feito essa promessa. Nas duas últimas eleições, inclusive, todos os candidatos, inclusive os eleitos para cargos na administração municipal e parlamento, se comprometeram a garantir terrenos e recursos para construção de moradias, sendo que o terreno em disputa estava destinado à construção de casas, conforme cadastro das famílias feito pelo Município e atos administrativos editados, indicando que o local seria usado no projeto "Minha casa, minha vida".


16.              Ocorre que os políticos fazem esse tipo de promessa apenas antes das eleições. Passadas essas, dedicam-se os políticos a outros administrados, no caso do Município de Aracruz as inúmeras empresas que se instalam com benefícios fiscais, empréstimos subsidiados e doações de terras públicas.


17.              Em Aracruz temos visto um festival de doação de terras públicas. Ao lado da ocupação foi doado um terreno gigantesco, muito maior do que o da ocupação, a uma empresa denominada Nutrigás, de propriedade de pessoa influentes, com relações no alto escalão da política estadual e municipal. Estamos falando de doação, sem contrapartida alguma, sendo que até mesmo a audiência pública para instalação da indústria constituiu-se numa fraude, pois não houve divulgação e os participantes eram apenas servidores municipais, convocados para uma reunião cuja pauta seriam "questões administrativas". Não satisfeitos com essa doação, outra área, também ao lado da ocupação, também já foi doada para outra empresa do grupo econômico (Nutripetro), que está fazendo a terraplanagem da área (sofisma para destruição da vegetação nativa).


18.              Todas essas ilegalidades estão ocorrendo com a omissão ou cumplicidade dos órgãos ambientais (IEMA e IBAMA), do Tribunal de Contas, do Poder Legislativo, e aguarda-se, pelo menos do Ministério Público, que sejam instaurados os procedimentos necessários à revisão dos atos administrativos, inclusive anulação das doações, da licença ambiental e todos os demais atos lesivos ao interesse público.


19.              Já com relação aos ocupantes, que orientados pelos próprios políticos ocuparam um pedaço de terra já destinado à satisfação de seu direito à moradia, e ali construíram suas casas, seus lares, a administração público lança mão de todo o seu arsenal jurídico, tudo no sentido, é por todos sabido, de ter em mãos mais uma área a ser doada para as empresas, aos quais os políticos prestam serviços.

20.              Está evidente para os ocupantes, hoje, que todo esse discurso de construção de casas populares, de "minha casa, minha vida", não passa de uma um discurso eleitoreiro, na medida em que o povo, mesmo, não tem condições de atender aos requisitos exigidos pela Caixa Econômica Federal para o programa "minha casa, minha dívida". Além de garantir mais um mandato para os políticos, esse programa serviu apenas para dar mais dinheiro para as construtoras. Trata-se, no bom português popular, duma enrolação o discurso do prefeito de que aguarda o projeto "minha casa, minha vida", porque ele mesmo já disse, numa outra reunião, que "a margem de lucro seria muito pequena, daí que é improvável que algum empresário se interesse em construir conjunto no local".

21.              É evidente, portanto, que o interesse do Município é doar o terreno para alguma empresa, agravando mais ainda a situação da moradia em Barra do Riacho, e Aracruz.

22.              Por outro lado, na impossibilidade do Município construir as casas, é melhor que os próprios moradores as façam, com seus recursos, como de resto vem fazendo, conforme se verifica nas fotografias anexas, e com uma vantagem: sem a dívida impagável do "minha casa, minha dívida".

23.              Concluímos, portanto, que a solução dessa grave crise de moradia, não de ocupação de terra dita pública, não pode se dar com o uso da força, para atender aos caprichos, aos interesses mesquinhos dos políticos de Aracruz (que tanto envergonham a nossa população), mas pela composição, pelo Município reconhecer sua falta para com a população de Barra do Riacho, e destinar o terreno em disputa para os ocupantes que ali estão vivendo com suas famílias.

24.              Requerem, desse modo, respeitavelmente, a suspensão da ordem liminar concedida por esse r. Juízo, até que sejam realizadas as reuniões patrocinadas pelo Ministério Público, resultando em Termo de Ajuste de Conduta que resulte em composição entre as partes envolvidas.

25.              Não apenas requerem, mas convida a Vossa Excelência, para, na companhia do Ministério Público, efetuar visita à ocupação, no sentido de verificar, in locu, tratar-se de ocupação pacífica, na qual os ocupantes realizam o seu direito, e sonho, de possuir uma moradia, garantindo bem estar para seus familiares.

                   Termos em que pedem deferimento.

                   Vitória, ES, 4 de abril de 2011.


                   Alexandre Cezar Xavier Amaral
                   OAB/ES n. 6749


[1] . A propósito, por decreto de D. Pedro II, toda a extensão que vai de Jacaraípe, Serra, até Regência, em Linhares, foi declarada terra dos tupinikins, povo indígena que habitava/habita a região.

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