Centro de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos de Aracruz
Fundado em 15-10-03
Filiado ao Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH
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EXMª SR.ª DR.ª JUÍZA DE DIREITO DA VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ARACRUZ/ES
PROCESSO 006.10.007796-2
O CENTRO DE PROMOÇÃO E DEFESA DE DIREITOS HUMANOS DE ARACRUZ, nesse ato representado pela sua coordenadora Gilcinea Ferreira Soares, também advogada, vem à presença de V.Ex.ª., intercedendo em favor dos moradores da Ocupação do Distrito de Barra do Riacho, expor e requerer:
Considerando o número de ocupantes foi colhido apenas um instrumento de mandato, a fim de que essa entidade esteja legitimada para representar os interesses dos moradores da ocupação nos presentes autos, mas caso V.Ex.ª entenda necessário o CPDDH Aracruz fará juntar aos autos os demais mandatos.
O CPDDH Aracruz tem acompanhado o deslinde da ocupação no distrito de Barra do Riacho e percebeu que o ânimo dos ocupantes é de resistir ao cumprimento da liminar de reintegração de posse concedida por essa Vara de Fazenda Pública em favor do município, o que é muito preocupante, uma vez que no local já se registram cerca de trezentas famílias, dentre elas muitas crianças e também idosos.
A advogada/coordenadora subscritora se fez presente na semana passada no assentamento em Barra do Riacho e pôde ver que se trata de um ocupação grande, porém bastante organizada, que conta hoje com cerca de trezentas famílias, sendo a grande maioria delas de origem de Barra do Riacho, com seus filhos registrados no cartório distrital de Vila do Riacho, conforme se prova pelas certidões de nascimento em anexo, tendo um levantamento preliminar registrado a presença de 342 (trezentos e quarenta e duas) crianças e adolescentes no assentamento.
Percebeu-se que os moradores questionaram com ênfase a falta de diálogo da administração municipal com a comunidade, pois a prefeitura apenas alegou, numa única reunião onde aceitou receber os representantes da ocupação, que a área está reservada para o programa “minha casa minha vida”, sem entretanto apresentar documentos que comprovassem as alegações e sem oportunizar à comissão de moradores e aos ocupantes conhecerem o cadastro feito pela Secretaria de Habitação.
Os moradores questionam ainda se o programa “minha casa minha vida” vai privilegiar os moradores de Barra do Riacho ou se as inscrições serão feitas indiscriminadamente para pessoas de todo o município, entendendo essa entidade que é justo o questionamento, pois o distrito de Barra do Riacho está às margens dos programas habitacionais há muito tempo, não obstante os candidatos em pleitos eleitorais sempre façam promessas nesse sentido, sem entretanto as cumprir.
Os moradores fizeram por conta própria um levantamento topográfico da área para visualizarem quantas famílias poderiam ser beneficiadas se a área fosse demarcada em pequenos lotes e chegaram à conclusão que a área comporta número maior de famílias do que o número anunciado pela administração municipal para a implantação do programa “minha casa minha vida”, tendo a imaginária divisão do terreno em lotes considerado as áreas que servirão aos projetos públicos.
Em reunião ocorrido com o prefeito em exercício Jones Cavaglieri uma comissão de moradores apresentou o levantamento topográfico no sentido de sensibilizar a administração municipal que quanto maior for o número de famílias atendidas, maiores serão os benefícios para a comunidade, que poderia diminuir muito o déficit habitacional criado na região pela falta de programas de habitação popular.
Os ocupantes levaram ao prefeito em exercício a proposta de doação da área pela municipalidade aos moradores já cadastrados pela Secretaria Municipal de Habitação, argumentando que se pequenas áreas forem doadas para cada ocupante cadastrado que as casas poderiam ser construídas em regime de mutirão, atendendo a número maior de famílias, pois muitas delas temem não obter aprovação para o programa “minha casa minha vida”, pois são famílias que vivem sem renda fixa, na informalidade, o que dificulta sobremodo a participação nos programas habitacionais do governo federal.
Segundo os moradores não há programas habitacionais de doação de casas populares para as famílias de baixa em curso pela administração municipal, e, infelizmente, o programa “minha casa minha vida”, apesar de ser divulgado como um programa que beneficia os pobres, faz exigências que muitas vezes as pessoas de baixa renda propriamente ditas não podem cumprir, ficando à margem do direito social de moradia garantido pela Constituição Federal, pois o programa funciona por meio da concessão de financiamentos a beneficiários organizados de forma associativa por uma entidade organizadora, e muitas vezes os mais necessitados não preenchem os requisitos mínimos para serem contemplados.
O que os ocupantes de Barra do Riacho pretendem, de fato, num primeiro plano, é serem ouvidos pela administração municipal e iniciar um diálogo que pode redundar em boa solução para todos, pois no passado o regime de construção de casas por meio de mutirões beneficiou número considerável de famílias, que ganharam um pequeno terreno em doação e envidaram todos os esforços na construção do imóvel.
É sabido que com a chegada das grandes empresas no município, e todas beneficiadas com a doação de terras públicas pelo município, o mercado imobiliário em Aracruz tomou proporções tão descabidas que hoje uma pessoa de baixa renda perdeu completamente a capacidade financeira de adquirir por conta própria um terreno onde possa erguer uma casa para abrigar a família.
A comunidade clama pelo modo diferenciado que a administração municipal vem tratando o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, pois para as grandes empresas o município sempre disponibiliza áreas a título de doação, sob o argumento que o desenvolvimento econômico é importante para o crescimento do município e das receitas, mas, por outro lado, os investimentos das empresas não se atrelam ao desenvolvimento social, pois não há aumento no número de vagas nas escolas, não há melhorias na área da saúde e a cidade de Aracruz vem formando grandes bolsões de pobreza, pois quando levantam acampamento muitas das empresas que terceirizam os servidores das empresas que aqui se implantam deixam para trás o saldo da marginalização, com pessoas que vieram de fora desempregas e sem as mínimas condições de vida.
Os moradores de Barra do Riacho são desprezados pela administração municipal há décadas, pois apesar de ser nessa localidade que se registra o maior número de empresas implantadas, a administração municipal ainda não se conscientizou que os filhos de Aracruz estão concorrendo aos serviços básicos com trabalhadores que vêm de fora e que aqui se erradicam de vez, pois o próprio município não mede esforços para propagandear na mídia que o município oferece milhares de vagas para as empresas que aqui se implantam.
Barra do Riacho é um distrito marginalizado pelo tráfico de drogas, pela prostituição e pelo desemprego.
A falta de programas habitacionais pela administração municipal vem transformando a cidade num município com sucessivos e reiterados acampamentos de pessoas que lutam pelo direito à moradia, e a mesma história começa a se repetir de forma preocupante, pois se ocupa a área, o município requer uma liminar de reintegração de posse, a justiça concede e a polícia desocupa, muitas vezes por meio de violência, pois quem ocupou está sempre disposto a resistir, pois defendem um sonho que deveria ser possível a todo cidadão brasileiro: o sonho da casa própria, ou mesmo do “barraco próprio”.
As famílias que hoje ocupam Barra do Riacho não podem ser tratadas como marginais e serem expulsos a bala ou gás de efeito moral, não antes que a administração municipal tome as rédeas do poder que detém sobre a vida dos administrados, de lhes proporcionar o mínimo de dignidade e de cidadania que são garantidos pela Constituição Federal.
Não está aqui essa entidade de direitos humanos defendendo as invasões, mas é preciso que a Justiça abra um parênteses nessas reiteradas histórias recentes de ocupações no município para perceber que o mais errado não são as invasões, mas sim o silêncio da administração municipal em apresentar soluções que atendam ao bem comum, pois até o momento o que se tem visto é o município privilegiando o desenvolvimento social, doando áreas públicas para grandes empreendedoras com capacidade de adquirir, e tudo isso à custa do sofrimento das pessoas de baixa renda.
Indo um pouco mais além é possível imaginar que se o município tivesse se proposto a negociar com as empresas todas as áreas de terras públicas doadas nos últimos anos e tivesse investido o resultado disso em habitação popular, não existiria déficit habitacional em Aracruz, porque se as áreas doadas tivessem sido vendidas a um preço menor para as empresas, o produto da alienação seria mais do que suficiente para atender toda a demanda habitacional do município,eis que se tem notícias que a área recentemente doada para a implantação do estaleiro Jurong foi avaliada em cerca de vinte e cinco milhões de reais.
Numa segunda hipótese, tivesse o município imposto como condicionante social para as empresas que receberam a doação a construção de casas populares, saneamento básico,construção de escolas, creches, postos de saúde e outros, não teria o déficit habitacional de Aracruz atingindo esse ponto: de uma cidade com cerca de oitenta mil habitantes vivenciar hoje pelo menos quatro pontos de invasão.
A empresa Nutrigás, vizinha do acampamento que ora se pretende desmontar por força de decisão desse Juízo, foi implantada em terra pública doada pelo município, não obstante ser integrante de um grande e poderoso grupo econômico no estado, mas para os moradores do distrito nada se fez até o presente momento e é assim, que ao entardecer de todos os dias, os ocupantes fazem suas assembléias, com os olhos voltados para as instalações da Nutrigás, se perguntando como é que pode a administração do município ter todos os olhares voltados para o futuro, com grandes empreendimentos, se não consegue enxergar a miséria social que assola o presente do mesmo município, pois as políticas públicas não estão cumprindo o fiel papel de exigir que o desenvolvimento econômico deve estar fortemente atrelado ao desenvolvimento econômico.
Num levantamento preliminar e ainda não totalizado foram identificadas 342 (trezentos e quarenta e duas) crianças e adolescentes que serão colocados na rua no caso do mandato de reintegração ser cumprido, de maneira que essa entidade entende que antes de qualquer atitude dessa natureza urge que a Administração Municipal abra o diálogo e em respeito aos ocupantes de Barra do Riacho lhes dê conhecimento acerca do suposto cadastro de moradores realizado pela Secretaria Municipal de Habitação, pois cada um dos moradores de Barra do Riacho, seja ocupante ou não daquele terreno público, tem o direito de se situar sobre como e quando será beneficiado pelos programas de habitação, sejam eles de programas de doação de casas populares, de doação de lotes ou de provável participação no programa federal “minha casa minha vida”.
O que essa entidade pretende, como mediadora desse conflito, é que a administração municipal receba a comissão de moradores da ocupação e que de coração aberto e sem preconceitos, franqueie aos moradores o direito de defender a casa própria, abrindo os arquivos secretos da Secretaria Municipal de Habitação, para situar cada qual no seu devido lugar no que concerne ao direito de obter a casa própria.
Essa entidade protocolou hoje ao prefeito municipal em exercício um requerimento para que o mesmo receba os ocupantes, a fim de que o diálogo possa ser a ponte para solução dessa questão, pois isso se afigura muito mais justo, legal e democrático que as tropas de choque do BME que a qualquer hora pode estacionar na entrada do acampamento.
Considerando tudo quanto foi exposto, essa entidade vem requerer se digne Vossa Excelência em suspender a ordem de desocupação que está prestes a ser cumprida, pelo tempo que julgar necessário para a instalação do diálogo entre as partes e negociação de uma solução mais justa e menos violenta para a questão, se propondo essa advogada a intermediar do modo mais pacífico possível o entendimento entre ocupantes e administração municipal, pois realmente teme que o confronto faça vítimas, dentre elas as várias crianças que estão no local.
Pede deferimento.
CENTRO DE PROMOÇÃO E DEFESA DE DIREITOS HUMANOS DE ARACRUZ
Gilcinea Ferreira Soares
Advogada OAB/ES 10.760
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